Por Rafael Pesce
Fotografia: João Castelo Branco
A caçada começava à noite. A roleta das
oportunidades girava freneticamente para Marcelo, jovem publicitário de 25 anos
que nutria dois prazeres na vida: a culinária e, principalmente, as mulheres. Usar
uma das paixões para encontrar a outra não era algo incomum. Como um autêntico
desbravador, vagava pela selva de restaurantes em busca de boa comida e uma
desejável companhia. O Watanabi, uma das casas de sushi mais famosas da cidade,
era um dos locais favoritos do rapaz. Incontáveis vezes o estabelecimento
serviu de covil para o conquistador, mas nunca uma presa havia causado tanto
impacto como a nova garçonete, Akemi, uma linda oriental de traços fortes, olhar
penetrante e um nome que fazia jus ao seu significado: brilhante beleza.
Tudo aconteceu em uma noite gelada de agosto. Uma
fina garoa insistia em atrapalhar os passos apressados das pessoas que saíam de
seus empregos. Mas enquanto alguns estavam em busca de um merecido descanso,
outros apenas começavam a labuta. Era o caso de Akemi, recém contratada do
Watanabi. O pouco tempo de trabalho foi suficiente para cativar uma horda de
clientes solteiros e desesperados por um minuto de atenção. Sentado em uma mesa
no fundo estava Marcelo, posicionado em um lugar onde pudesse observar cada
alma que transitasse por ali, da entrada até o banheiro feminino. O movimento naquele
dia não era dos melhores. Apenas meia dúzia de fregueses se atreveu a desafiar
a chuva nada convidativa e sair de casa. Entre eles, lógico, estava Marcelo,
que só tinha olhos para uma mulher: Akemi. Após degustar uma rodada de Temakis
e Chirashis, chamou-a discretamente:
– Mais alguma coisa senhor? – Perguntou a sorridente
garçonete, exalando simpatia.
– Sim, me chama de garçom que eu me sirvo de bandeja
pra você! – Não, Marcelo não falou isso. A cantada de pedreiro ficou só no
pensamento. O jovem tentou algo mais sutil:
– Não, querida. Só gostaria de dizer que você é
linda!
O elogio foi correspondido com um sorriso tímido.
Marcelo não sabia interpretar se era um bom ou mau sinal. Estava cada vez mais
intrigado com aquela mulher. Após pedir a conta, viu que um número de telefone
constava no verso. Estava com uma grafia que mais parecia desenhada do que
escrita.
Não demorou muito para um encontro ser marcado. Para
não parecer ansioso, esperou três dias para fazer a ligação. Na noite seguinte
os dois se encontraram em um local reservado, a saída lateral do restaurante. Marcelo
perdeu toda cautela ao ver Akemi usando um vestido extremamente provocante, com
aquelas lindas pernas brancas à mostra. Agarrou-a ali mesmo, deixando os instintos
mais primitivos tomarem conta. Os beijos fogosos, carinhos e apertões já duravam
alguns minutos, quando foram interrompidos por uma pequena picada. E foi então
que...
* * *
Marcelo acordou assustado. Ainda um pouco grogue,
viu que estava amarrado em uma cadeira, preso em uma espécie de calabouço. As
paredes estavam pintadas com diversas inscrições japonesas, incompreensíveis
para um simples ocidental. O jovem tentou se recuperar do susto e pensou em
tudo que havia acontecido. Apenas se lembrava dos beijos e depois um grande blecaute.
Para sorte do rapaz as cordas que o prendiam não estavam muito apertadas. Não
demorou muito para ele se livrar daquele imbróglio. A porta da suposta cela estava
destrancada. Do outro lado um imenso corredor. Atravessou correndo aquele
trecho, sentindo as imperfeições do chão de pedra castigarem seus pés
descalços. Ao final, se deparou com uma entrada. O silêncio, que até aquele
momento se fazia presente, foi quebrado por uma série de ruídos indecifráveis
que vinha do outro cômodo. Voltar para o calabouço ou encarar o desconhecido?
Essa era a dúvida de Marcelo. Resolveu seguir e abriu a porta.
Não era um simples aposento. O que o jovem
vislumbrou à sua frente era um verdadeiro salão, colossal, com uma ornamentação
oriental que fazia ele se sentir em outro século. Clic! Olhou para trás e viu
que a porta pela qual entrara estava trancada. Agora só podia continuar. Os
barulhos persistiam, porém, o salão aparentava estar deserto. Infeliz engano.
Abruptamente, as sombras que escondiam a origem dos grunhidos desapareceram, e
delas eles saíram: mortos-vivos, seres em decomposição, arrastando-se
lentamente em direção a ele. Mas não eram simples zumbis. Aquela dúzia de
devoradores de carne estava trajada com roupas samurais, um pequeno exército de
Zumbis-Samurais! Marcelo não queria acreditar, sempre gostou de filmes de
terror, mas jamais imaginou vivenciar um. A partir dali um verdadeiro jogo de
caça começou, mas dessa vez a presa era ele.
Zumbis são seres lentos, quando sozinhos não são
assustadores, sendo facilmente abatidos. Mas no momento em que uma horda se
junta, a situação é bem diferente. Marcelo olhou para os lados, procurando algo
que pudesse ajudá-lo. Para sorte dele, parte da decoração era composta por
antigas espadas samurais, a arma ideal para um combate homem x morto-vivo,
afinal, lâminas não precisam ser recarregadas. Munido de sua espada, esperou
pelo embate. O primeiro zumbi perdeu a cabeça, decepada com um golpe perfeito e
limpo. Os próximos dois tiveram braços e pernas arrancadas, o que permitiu que
Marcelo procurasse por alguma saída. Depois de observar por alguns segundos,
viu outra porta, localizada em um ponto crítico, onde a maioria dos zumbis se
encontrava. Seria impossível matar o grupo restante. A situação requeria o uso
de estratégia. Marcelo deslocou-se para o lado oposto, promovendo um berreiro
para chamar a atenção dos errantes. Enquanto os devoradores de carne se aproximavam
vagarosamente, um flanco vazio se apresentou: a rota de fuga perfeita. Marcelo
correu, correu como nunca tinha feito na vida, evitando qualquer tentativa de
mordida. A porta estava trancada. Forçou a maçaneta, sem sucesso. Um, dois,
três chutes foram necessários até ela ceder. Cambaleando e cansado seguiu pelo
próximo corredor. Chegou a uma cozinha oriental e viu quatro mulheres, de
costas, em meio a uma refeição. Gritou por ajuda. Sem resposta. Aproximou-se de
uma delas e tocou-a no ombro. Lentamente a mulher se virou, exibindo um rosto
apodrecido e com a mandíbula quase despencando. Marcelo deu um passo para trás.
Assustado, viu que havia encontrado um grupo de gueixas-zumbis, que devoravam
pedaços de carne humana em seus pratos. As quatro se levantaram e começaram a
perseguir o rapaz. Com a espada na mão, ainda afiada e com sede de sangue,
cortou a cabeça de três delas. A última estava perto demais, então Marcelo
apenas teve tempo de cravar a lâmina no corpo da oriental. Movimento errado. A
gueixa-zumbi continuou avançando. Sem muitas alternativas, Marcelo acabou
tirando os dois palitos que prendiam o cabelo de sua agressora e espetou-os na
cabeça. Sangue jorrou por todos os lados e uma nova oportunidade de fuga surgiu.
Correu para uma pequena porta de ferro no canto da cozinha e, ainda ofegante,
abriu o que pensava ser a saída para a liberdade.
O que viu foi uma forte luz branca. Seriam os raios
de sol? Não deu tempo para pensar nisso. Ao abrir a porta, sentiu uma lâmina
perfurar o coração. Caiu ajoelhado no chão, com o sangue esvaindo-se do peito.
Antes dos olhos se fecharem viu Akemi, segurando uma espada na mão e às
gargalhadas enunciando: sushi para zumbis não é feito de peixe!
Um comentário:
Parabéns, é um conto excelente!!! Muito bem escrito. E a frase final dá um toque especial e encerra o texto com chave de ouro! ;)
Postar um comentário