quarta-feira, outubro 25, 2006

"Samba das Saias de Verão"





















Por Rafael Pesce



“ Você viu só que amor
Nunca vi coisa assim
E passou, nem parou / Mas olhou só pra mim
Se voltar vou atrás / Vou pedir, vou falar
Vou contar que o amor / Foi feitinho pra dar
Olha, é como o verão
Quente o coração / Salta de repente
Para ver a menina que vem
Ela vem sempre tem
Esse mar no olhar
E vai ver, tem que ser / Nunca tem quem amar
Hoje sim diz que sim / Já cansei de esperar
Nem parei nem dormi / Só pensando em me dar
Peço, mas você não vem
Bem / Deixo então
Falo só / Digo ao céu
Mas você vem “


“Samba de Verão”, de Marcos Valle, não poderia ser mais perfeita para embalar os longos passos que me encaminhavam à Rua da Praia. Porto Alegre é mais ou menos assim: uma semana é um frio de rachar, onde ternos, blusões, cachecóis e casacos desfilam saudavelmente em um mar de peles e tecidos. Na semana seguinte, tudo pode mudar, e o tradicional calor infernal que assola o sul pode chegar repentinamente, transformando a vida de todos em um forno. Hoje está um dia assim. Na verdade, é o primeiro depois de uma longa temporada com uma extensa friaca. Mas se o verão tem uma coisa boa, é definitivamente a saia. Sim, a saia mesmo, com seus diversos modelos, vestindo com perfeição uma infinidade de corpos femininos, todos em busca do conforto e beleza que só uma linda saia pode proporcionar. O melhor do verão é isso, é poder olhar para todos os lados e notar que de repente as mulheres estão mais bonitas, alegres, sorridentes e atraentes. Para mim, boa parte disso é “culpa” da saia mesmo. Sem ter que se preocupar com o desconforto e aperto de uma calça, as mulheres passam a flutuar em vez de caminhar, e dependendo do modelo usado, a vestimenta acaba se tornando uma afronta e forte provocação à tentação masculina. O difícil é não se apaixonar inúmeras vezes em um mesmo dia. Não é canalhice, nem nada parecido, é apenas o amor platônico elevado a sua enésima potência.

Bem, mas voltando à Rua da Praia...

Andava eu sozinho pela Rua da Praia, sorriso estampado no rosto, Marcos Valle no ouvido e os olhos bem abertos, apenas apreciando o embalar das pernas femininas que me encantavam a cada esquina. Em um universo concorrido, onde centenas de saias perambulam em todo lugar, é difícil conseguir um espaço de destaque, ofuscando as concorrentes e arrebatando a atenção do globo ocular dos homens. Mas o difícil não é tarefa impossível. Enquanto me recuperava da tontura dos movimentos contínuos que minha cabeça fazia (devido a árdua tarefa de observar saias), passou por mim uma daquelas raras mulheres, capazes de resumir o nosso universo em apenas um olhar. Pernas longas, envoltas por uma saia listrada (preto e branco), que terminava em uma altura um pouco acima do joelho, deixando aquele ar de mistério, que convivia pacificamente com o jeito sexy proporcionado apenas por uma peça de roupa como aquela. Percebi estes detalhes em uma questão de segundos, já que a moça passou rapidamente por mim, em um andar linear e decidido. Chamaria-a de blasé, se encantadora não fosse o primeiro adjetivo a aparecer na minha cabeça. Porém, discretamente ela olhou para trás, e o sorriso que eu vi já fez o meu dia valer a pena. O caminhar dela era apressado, e esforcei-me ao enfrentar a multidão e segui-lá pela Andradas (verdadeiro nome da Rua da Praia) tumultuada, onde as listras preto e branco da vestimenta confundiam-se com o chão de mesma cor da famosa rua. Incessantemente a persegui, e de longe avistei-a entrando no Santander Cultural. Ao chegar no local, deparei-me com uma placa fazendo a propaganda de um festival musical que aconteceria hoje, o “Poa em Bossa”. Já que meu dia começou com Marcos Valle, acabá-lo com bossa não seria uma má idéia. Apostei minhas fichas que subindo os degraus que davam acesso ao evento, eu poderia encontrá-la, e nao deu outra. Entrei no recinto embalado pelo som de “Tem Dó de Mim”, de Carlos Lyra, executado pelo trio que se apresentava no palco. Para todos os lados que eu olhava haviam saias, e meus olhos encontravam mais e mais olhares, todos em busca do mesmo objetivo provavelmente. Mas aquela saia e aquelas pernas eram únicas, e não demorei a perceber que a bela moça estava charmosamente sentada em uma mesa bem perto do palco. Ela estava sozinha, com as pernas cruzadas, o que aumentava ainda mais o encanto que a saia proporcionava. Eu estava em um dilema: poderia muito bem ir lá falar com ela e ver no que ia dar, ou então ficar onde estava para não arriscar um inusitado encontro com algum eventual namorado, marido ou affair que ela poderia estar a espera. Me lembrei de “Samba de Verão”, e coincidentemente a banda começou a tocá-lo. Ainda meio receoso, esperei um pouco, e no momento que o vocalista cantava a parte onde diz “e vai ver, tem que ser, nunca tem quem amar, hoje sim, diz que sim, já cansei de esperar”, tomei a coragem e influência necessária para ir ao encontro dela. Com a imponência e auto confiança necessária a qualquer conquistador que se preze, sentei-me ao lado daquelas pernas, e agora pude observar calmamente que a beleza da moça não se resumia apenas à isso. Dona de um sorriso monumental, uma pele angelical e um olhar penetrante, ouvi a sua voz suavemente cantarolar a bossa, ao mesmo tempo que me oferecia o whisky que segurava com a mão direita. Passamos o dia ouvindo bossas, conversando e bebendo...e quando “Felicidade”, de Tom Jobim e Vinicíus de Moraes, chegava ao refrão - “tristeza não tem fim, felicidade sim” - comecei a pensar se os momentos de alegria que eu estava passando iriam acabar. Resolvi não esquentar a cabeça, e depois de acompanhar a moça até a casa dela, e me despedir com um caloroso beijo, percebi que hoje fora um dia atípico. Apesar de ter passado um clássico dia de verão, onde havia presenciado um vasto mundo de pernas e saias por aí, eu me apaixononei apenas uma vez. Pensando bem, amanhã vai ser outro dia, 24 horas em que saias estarão por todos os lados novamente, e se a felicidade tem fim, é só porque um novo ciclo de alegria, ainda melhor, está para começar...

10 comentários:

Anônimo disse...

Pois é, caríssimo... No entanto, o inverno sempre chega. Talvez seja por esta razão que desde mocinha aprendi a preferir guardar os pequenos milagres da natureza - de pernas a potes de ouro; para mim e eu apenas.

A penas [A pernas?]
Ah, pernas... Há pernas e penas, apenas apelos voando pelos quentes pêlos dourados da estação. Pena que pensas que perdes por não vê-las às centenas. Há pressa de tê-las; há sentenças.

De pernas populares que correm pela Andradas, sigo com as gotas de chuva do frio inverno, que ex-correm por meus transparentes vidros.

Abraços, ótima crônica!

Anônimo disse...

Às vezes eu ando pela Rua da Praia. Aí eu fico triste porque eu acordo!

Anônimo disse...

pô, faltou meu link!
abraços novamente...

Anônimo disse...

O conto ta muito massa, mas gostaria de mais detalhes sobre o encontro dos dois, fiquei curiosa hehehe.

Beijos, grande admirador de pernas e seios hehe...

Anônimo disse...

Vou ficar cantarolando Samba de Verão até terminar o trabalho de j. internacional!!!
Pq soh o Brasil pode ter saias e bossa da maneira mais genuína do mundo!!!

Sim, ciclos têm que acabar para um novo começar... Já que resolveu começar uma "nova fase", que seja bela... como as tardes de verão!!

Anônimo disse...

Uhhhh que conto sexy!
Tu já tinha me falado de sua fissura por saias...top 5 e seus affairs...
tá ótimo,as usual!Muito bem!:)

eu tb adoro saias,mas não pelo mesmo motivo que tu,é claro.hehe
e viva o verão!
beijos

Anônimo disse...

Saias no verão, saias no inverno tmb pq não? Com meia 3/4 ou meia inteira preta fio 80.

Anônimo disse...

Cara, tu é o verdadeiro "Flaneur" de Baudelaire, a perambular pelas ruas da cidade quase como um observador secreto, um transeunte invisível. Ou também poderia chamado de "Palomar" de Italo Calvino.Mas melhor que tudo isso:Rafael Pesce !!Aeee!

Anônimo disse...

"...A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar"

tudo a ver
parabéns, rafa! belo conto!
bjo

Anônimo disse...

Veja bem... o endereço do meu blog sempre esteve no orkut... ele só é diferente do teu... além dos comentários de peçcas, filmes e livros, ainda tem as minhas baboseiras que quse ninguém tem paciência de ler, sr. bonner.

hehe
Bjok