sexta-feira, novembro 03, 2006

"A pizza, o alter ego e o fundo do poço!"
























por Rafael Pesce


A cidade corria em ritmo acelerado. As luzes, cores e sons misturavam-se em um mosaico, onde apenas a figura da minha pessoa, solitariamente caminhando, aparecia deslocada no meio deste mundo surreal. Realmente eu precisava sair de casa, tentar relaxar um pouco e me animar para viver o resto da vida. Ela fora afetada diretamente pelo ato que eu acabara de cometer. Uma morte não é assim tão fácil de assimilar, não sei se chegamos a nos recuperar completamente de uma “tragédia” como essa, ainda mais quando o culpado é a gente mesmo. No meu caso, posso pagar uma dura pena, pois cometi um assassinato, sem dó nem piedade, a sangue frio. Nesta noite meus amigos, assassinei brutalmente meu alter ego.
Poucos momentos após o crime, meu caminho estava traçado. Tudo que eu precisava era encontrar um lugar onde o pecado da gula suprisse a culpa que eu sentia pelo descumprimento do quinto mandamento, aquele que diz “não matarás”. Eu caminhava a passos lentos pela avenida lotada de pessoas, até finalmente chegar a um restaurante onde eu sabia que iria encontrar uma comida quente e deliciosa, juntamente com um bom atendimento. Lá eu poderia me isolar do mundo um pouco. Entrei no estabelecimento e me dirigi cegamente para uma mesa escondida no canto. O ar condicionado estava forte, e eu não tinha trazido o meu casaco, mas tudo bem, o frio é suportável quando não estamos dando a mínima para ele. Acendi o meu cigarro, mas o garçom prontamente apontou para uma placa com os dizeres de “Proibido Fumar”. Apaguei-o imediatamente, e franzi a testa ao constatar que este era o meu último. Peguei o cardápio e fui em busca de alguma iguaria bem gordurosa, capaz de me satisfazer em poucos instantes. Resolvi apelar para a pizza, e a fase de dúvidas e complicações pela qual eu estava passando se refletiu na minha escolha: uma pizza inteira, metade calabresa, metade chocolate branco; o salgado e o doce. Juntos eles logo habitariam o meu estômago. Confesso que um dos motivos que me levaram a escolher esta mesa bem isolada, foi o jogo de futebol que estava passando na televisão ali perto. Estranhamente, era um Cruzeiro e Atlético Mineiro, em plena terça-feira. Fiquei desconfiado, não era dia de campeonato brasileiro, e o galo jogava a segundona neste ano. Foi aí que percebi os patrocínios das camisetas: eram de marcas que eu nem sabia se existiam ainda. Moral da história: o jogo era de 10 anos atrás, a final do campeonato mineiro de 1996. Já se passavam 30 minutos, não da partida, que já estava no segundo tempo, mas sim do meu pedido, que já demostrava sinais de que iria atrasar. Eu estava faminto, e ficar esperando para comer nesta situação era o que de pior poderia me acontecer. Foi neste momento que olhei para fora e percebi que chovia. A palavra pegadinha começou a fazer cada vez mais sentido para mim. Droga, eu havia esquecido meu guarda chuva em casa. Pelo menos a minha cerveja veio gelada, nem tudo estava perdido.
Que sensações temos ao matar nosso alter ego? Difícil decidir, mas meu top 5 seria:

1) Sensação de ser você mesmo de novo.
2) Tristeza pela “morte” da pessoa tão próxima.
3) Leveza. Simplesmente isso.
4) Confusão. Será que realmente fiz a coisa certa?
5) Dúvida. Ter um alter ego era uma coisa idiota? Ou eu era um idiota por ter um alter ego?

Merda, pensando bem, acho que fui um incompetente. Resquícios do meu alter ego ainda insistiam em habitar o meu corpo. É complicado se livrar completamente de algo que fez parte da gente durante um longo período. Começo a perceber isso cada vez mais fortemente, mas eu não podia voltar atrás, o crime já havia acontecido. A recaída que eu acabara de ter só pode ter sido coincidência, ou força do hábito mesmo. A verdade é que o vazio que meu alter ego deixou tinha que ser preenchido de alguma maneira. Mas com a morte dele, acho que finalmente eu estava pronto para me relacionar seriamente com uma mulher. Afinal, a culpa por ele ter aparecido pertencia a uma fiel representante do sexo feminino. Naquele momento, apenas o calor de um corpo feminino, as carícias de uma mão suavemente me massageando e o sorriso de uma querida acordando diariamente ao meu lado pareciam ser coisas sensatas as quais buscar. Dizem que é preciso chegar ao fundo do poço para nos reerguermos e começarmos a reconstruir nossas vidas. Pois bem, a morte do meu alter ego, aliado a demora de uma hora até minha pizza chegar à mesa, haviam me levado até este ponto. Finalmente eu me sentia pronto para subir e voltar para um lugar o qual nunca deveria ter abandonado. Agora meus amigos, o céu é pouco para mim, ele com certeza não será o meu limite.

PS: as referências sobre quem é o alter ego se encontram “perdidas” pelo conto, achei melhor não expô-lo escancaradamente, afinal, ele está morto.

7 comentários:

Anônimo disse...

Nossa,o meu preferido até então!
Se superou,my dear!
Adorei o ar que tu deu ao cenário,a parte do mosaico principalmente e da chuva,o restaurante...só não gostei mto da pizza(calabresa com chocolate branco?CHOCOLATE BRANCO??Tudo bem que os dois sabores são bons,mas misturados assim,blergh!)
Gostei do ar de sinceridade e de Bukowski tb..mto bom mesmo!
Continua assim,querido!
Beijinhos

Anônimo disse...

Referências "perdidas"?! Ahá! Como se precisasse, não é???
Gostei do conto. Mas isso não te assegura de um sábado sem mta tinta!!!!!!

Bjok, boa noite (a essa hora vc deve estar no "sambão") e até amanhã!

Anônimo disse...

Adorei! Só não gostei do seu pedido, fiquei com um pouco de nojo, doce com salgado? aaarrrghhg!!!
E sabe, esse seu conto me fez perceber que tlz eu tmb tenha um alter-ego. Depois a gente conversa sobre isso e vc me ajuda a decifrar, ok??

Juliana Szabluk disse...

quem nunca possuiu um alterego que minta ao dizer que se conhece.
nunca nos conheceremos ao olhar pro reflexo invertido do espelho; é preciso olhar de frente, certo?
tem coisas que só o alterego faz por você; o único problema é quando ELE te mata.


alter > ego
outro > eu

há quem diga que isso é coisa de louco, viagem de esquizofrênico.
eu prefiro pensar que somos tão grandes, que não cabemos em apenas um ser humano.

meanwhile, olhe duas vezes antes de apagar a luz, nunca se sabe quando ele pode voltar.

be careful, pal.
saudações.

Anônimo disse...

Certo que esse foi o melhor conto.
Adorei!!!
Me identifiquei em muitos pontos e parece que eu te vi em cada palavra, menos a do cigarro.

Estas te superando meu jornalista preferido.

PS: prefiro chocolate preto hehehe.

Beijão!!!

Anônimo disse...

hahaha! Como eu me divirto... adorei este! hahaha!

congratulations!!!!
Kisses and laughs!!!!

Anônimo disse...

ranghetti:
gostei man
divertido!
t+