segunda-feira, maio 24, 2010

O Jantar

























Prefácio: Este conto nasceu após o meu amigo carioca Robson Silva, um gourmet de primeira, me mandar um e-mail com uma temática similar ao do conto. Algumas partes foram usadas integralmente.


A maior insanidade da minha vida foi ter entrado em uma cozinha e me apaixonado pela arte de cozinhar. Tamanho amor começou quando eu ainda era criança. Minha avó era uma exímia doceira, fazia a melhor rapadura de amendoim que eu já comi na vida. Já minha mãe conseguia fazer um banquete com qualquer coisa que encontrasse na despensa. A paixão pela cozinha veio de família. Quando vim morar sozinho comecei a me aperfeiçoar em uma espécie de curso autônomo à distância, assistindo a diversos programas de culinária da TV a cabo: Jamie Oliver, Gordon Ramsay, G. Garvin...devo ter visto zilhões de receitas de todos esses caras, menos daquele francês insuportável do GNT, eu sempre tive uma vontade incontrolável de quebrar a televisão quando escutava aquele sotaque insuportável. Cozinhar é uma atividade que envolve técnica, trabalho pesado, equipamentos e os livros de receitas corretos. Essas técnicas são mais ou menos as mesmas que eu uso em uma conquista, a diferença é que mesmo usando os ingredientes adequados o sucesso não é garantido. Se me perguntassem, “qual a sua receita para conquistar uma mulher?”, eu responderia: “um jantar”, sou daqueles que fisgam as mulheres pelo estômago.

Apesar de gostar muito de cozinhar, não fiz disto uma profissão, apenas uma prazerosa atividade paralela. Enquanto não estou me divertindo em meio às panelas eu fico enfurnado em uma sala rodeado por processos. Eu trabalho no mesmo escritório de advocacia há dez anos. Comecei lá como estagiário, me formei, fui efetivado logo em seguida e como já estava acostumado com tudo aquilo fui ficando, ficando, e aqui ainda estou. Há duas semanas a rotina do escritório sofreu uma drástica alteração. O nome da alteração? Claudinha, uma morena, lindíssima, de cabelos lisos que percorriam um sinuoso caminho até os ombros. Ela era baixinha, mas sabia usar isso a seu favor, o que destacava ainda mais o seu charme. A Claudinha era mineira, ou seja, tinha aquele charme especial, timidez oriental e safadeza cabocla. Ela era perita na arte da sedução, já que o sotaque das mineiras é uma ode ao encanto. Não importa o que elas digam, pode ser um direto “eu te amo”, uma leitura bíblica, ou podem estar falando grego, mesmo assim, aos ouvidos do homem que estiver escutando, aquele sotaque mineirinho sempre soará como sedução. E foi assim durante duas semanas. Sinceramente não prestava muita atenção no que ela dizia, mas estava enlouquecido por aquela mulher. Na última sexta-feira tomei coragem e a convidei para um jantar na minha casa, afinal, passara a semana inteira fazendo propaganda dos meus dotes culinários. Convite feito, convite aceito!

O que cozinhar para impressioná-la? Resolvi trilhar um caminho seguro e preparar um prato em que sou mestre. Vejamos:

Frango à Provence:

Empanar os pedaços de frango, dourar em azeite. Reservar o frango, derreter a manteiga no azeite do frango, juntar a cebola e o alho, colocar 5 anéis de pimenta dedo de moça, incluir o frango, limão siciliano, salsa e 2 colheres de molho de tomate. Saltear e empratar. Seguir na frigideira e aquecer mais azeite e fritar um punhado de arroz selvagem, cobrir em seguida e servir.

Algumas horas antes do combinado eu já estava nervoso, preparando o apartamento nos mínimos detalhes para receber a Claudinha. Selecionei alguns discos para um clima romântico e aconchegante, misturei cantoras clássicas como Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Dinah Washington com algumas mais modernas, como Diana Krall, Elizabeth Sheppard e Melody Gardot. A trilha sonora estava resolvida. Para acompanhar o meu Frango à Provence comprei um caríssimo vinho chileno, tudo para impressioná-la. Arrumei a mesa delicadamente, organizando os copos, pratos e talheres, deixei tudo brilhando, já que mulher enxerga até pentelho de mosca no escuro. Enquanto eu estava na cozinha, picando a cebola, escutei a campainha. Droga, ela havia chegado 30 minutos antes do previsto. Rapidamente sequei as lágrimas em uma toalha, abri a porta e vi o olhar de espanto da Claudinha. Antes que ela perguntasse avisei-a que as lágrimas eram por causa da cebola. Educadamente guardei a bolsa dela e a acomodei na sala, onde “Down My Avenue”, da Melody Gardot, tocava em um volume agradável. Ela me olhou com uma cara assustada, e disse que eu escutava coisas estranhas. Mas o que ela queria que estivesse tocando, “Mineirinho” do Só Pra Contrariar? Enfim, voltei para a cozinha com o intuito de terminar meus afazeres culinários. Quando retornei com a entrada – resolvi fazer uma polentinha com cogumelo e azeite trufado – encontrei a dita cuja ao telefone, falando abobrinhas com uma amiga. Neste caso, nem o sotaque mineiro foi suficiente para disfarçar a quantidade de bobagens que as duas diziam. Se eu soubesse disso teria feito igual aos cinemas, e teria posto um aviso de “desligue o seu pager ou celular antes do jantar”. Coloquei os pratos na mesa e esperei alguns minutos para começar a degustar a entrada, já que teria sido uma tremenda falta de educação iniciar sem ela. A polenta começou a esfriar e perder o brilho, o cogumelo que estava al dente começou a endurecer, e a salsinha sumiu em vez de dar o acabamento. Quando ela finalmente desligou o telefone pediu alguns minutos para ir ao banheiro retocar a maquiagem. Aproveitei esse tempo para finalizar o molho do Frango à Provence. Quando voltei, ela estava beliscando uma polenta.

- O que achou Claudinha?
- Menino, tá bom, mas tinha que estar mais quentinho.
- Ok, me deixa buscar um maçarico industrial (Essa frase foi só no pensamento, se dissesse isso passaria por grosso).

Voltei à cozinha para finalizar o frango e pegar o vinho chileno. A Claudinha me esperava com um sorriso no rosto. Servi uma porção generosa da minha especialidade e ela disse:

- Mais comida? Eu não quero engordar hein, coloca só um pouquinho viu!

Nada me irritava mais do que frescura na hora de comer. Ela não queria um prato cheio, mas cheio mesmo já estava o meu saco. Será que eu havia errado tanto assim? Seria possível aquele sotaque charmoso mascarar uma mulher insuportável? Perdido em meio aos meus pensamentos sentia como se tivesse encontrado uma sereia que durante duas semanas foi me encantando, mas que quando finalmente chegou perto se transformou em uma medusa, e eu estava ali, petrificado, sem saber o que fazer. Servi mais um pouco de vinho, enchendo metade da taça. Para piorar a situação só se ela quisesse o vinho em um copo de molho de tomate, mas graças a Deus não chegou a tanto. A verdade era que eu estava perdido. Uma linda mulher estava à minha frente, porém eu não conseguia trocar uma palavra sequer com ela. O que fazer? Para minha sorte o telefone tocou de novo, era a tal amiga. Fui para a cozinha esfriar a cabeça um pouco, na volta a Claudinha me disse que a amiga dela estava nos convidando para uma rave. Encarei o convite cilada como uma oportunidade para me livrar desta noite desastrosa.

- Claudinha, eu tenho que acordar cedo amanhã, tenho futebol com os amigos marcado há um tempão já. Mas não estraga tua noite por mim, vai lá na festa com a tua amiga, a gente marca alguma coisa outra hora.

Para minha sorte ela aceitou meu “conselho” e resolveu ir à festa. Sempre fui um cara de ligar para as mulheres no dia seguinte, mas neste caso, certamente teria que abrir uma exceção. Minutos depois da ligação eu estava me despedindo da Claudinha, com apenas um beijo no rosto e um alívio no coração. Na segunda-feira cheguei cedo ao escritório, como de costume. Avistei a Claudinha de longe e acenei timidamente. Rapidamente percorri o corredor que dava acesso a minha sala. Naquele dia, uma pilha de processos parecia mais atraente que uma linda morena mineira.

Um comentário:

Carolina Tessmann disse...

haha... Sabe que quando comecei a ler já estava imaginando um doce romanda, uma história com final feliz. Me surpreendeu! É, todos nós já tivemos encontros assim. Me fez lembrar quando um amigo, que eu era apaixonada a anos, me convidou pra sai. Parecia tudo perfeito. (Nos 5 primeiros minutos, é claro). Em determinado momento lembrei de um livro q estava lendo p a faculdade e cheguei a pensar: "Preferiria estar lendo nesse momento..." rsrs
Coisas da vida! Muito boa a crônica! Seguirei acompanhando!
abraço,
Carol.