sexta-feira, maio 07, 2010

A Lavanderia


Eu sempre imaginei que fosse conhecer a mulher da minha vida em uma livraria. Eu puxaria assunto sobre algum livro de mútuo interesse, ou então comentaria sobre a música que tocava ao fundo e tudo estaria formado. Pensava que poderia eventualmente encontrar uma bela mulher, abandonada ao acaso, em um charmoso Café do centro. Eu tomaria coragem e começaria um papo do nada, e no fim viveríamos felizes para sempre. Cheguei ao cúmulo de pensar que meus olhos encontrariam o olhar de uma futura namorada em uma fila de banco, e depois de alguma piada idiota sobre contas a pagar e dinheiro curto no fim mês combinaríamos a primeira de muitas saídas. Mas não, a mulher pela qual eu me apaixonei instantaneamente estava naquela lavanderia, simples, um pouco suja e desleixada, mas com um clima acolhedor.



Duas quadras separavam meu apartamento daquela lavanderia. O estabelecimento pertencia a um simpático casal chinês, que já estava no Brasil há mais de 30 anos. Eu frequento o lugar desde minha mudança para o centro, há mais ou menos oito anos. Sendo assim, eu me considero íntimo da maioria dos clientes, mesmo não tendo trocado mais do que duas ou três palavras com grande parte deles. Quando uma pessoa nova começava a frequentar o lugar de cara me chamava a atenção. Foi assim que aconteceu naquele princípio de noite, com tempo ruim, chuviscando. Quando ela abriu a porta e entrou na lavanderia, não houve par de olhos imune aquele corpo. Era aquele tipo de mulher que fala com o olhar e hipnotiza com o sorriso. Impossível não se apaixonar. Tomado pela minha timidez, apenas observei de longe o seu andar confiante, como se conhecesse cada canto do local há décadas. A lavanderia dos chineses possuía seis máquinas, eu estava na de número quatro, e para minha sorte, a única disponível era a última, apenas a poucos metros de distância. Meu amor platônico, com o olhar decidido e sem desviar do trajeto por um milímetro sequer, rumou para lá. O cesto de roupas que carregava me chamou a atenção. Ele não estava totalmente cheio, e as roupas estavam todas bagunçadas e emaranhadas umas nas outras. Meu excesso de timidez impediu uma tentativa de conversa, mas essa não era a única maneira de descobrir alguma coisa sobre ela. Já ouvi muito aquela frase, típica de propagandas de remédios para emagrecer, “você é o que você come”. Pois então, acho que devido à situação, a frase poderia muito bem ser adaptada para “você é o que você veste”. Resolvi tentar. A primeira peça de roupa que ela tirou foi uma saia de bolinhas, charmosíssima, que me deixou imaginando como aquelas pernas se destacariam no meio daquele mar de bolinhas. Ainda estava sonhando acordado com aquela cena quando a vi colocando na máquina uma calça de couro preta, aparentemente apertada, parecia que vinha direto de um clipe do Judas Priest. Achei estranho, o clima de amor platônico deu uma esfriada, e meu tempo também estava escasso. Enquanto me dirigia para a porta de saída dei uma rápida olhada no cesto, e para minha felicidade não avistei nenhuma roupa masculina. Havia fortes indícios de que ela era solteira.



Uma semana se passou, e uma pilha de roupas sujas já havia se formado no canto do meu apartamento. A lavanderia do casal chinês novamente seria o meu destino. Enquanto percorria o trajeto de duas quadras, só conseguia pensar naquela mulher, de gosto aparentemente antagônico para roupas. Ao adentrar o recinto avistei-a de longe, destacando-se no meio da multidão de aposentados e solteirões trintões que estavam na lavanderia. Sua cesta estava quase vazia, minha pesquisa nada ortodoxa sobre quem ela é teria que ser feita com base nas últimas roupas que ela preparava para lavar. Um vestido balonê foi a primeira peça que eu consegui avistar. Sinceramente, eu só sabia que esse vestido tinha esse nome específico porque uma amiga, estudante de moda, passou um dia inteiro falando sobre a tendência desses vestidos para o verão. Graças a isso eu descobri que ela andava na moda, já que o verão acabara de começar. Em seguida ela colocou um daqueles casacos Adidas, típicos de quem gosta de correr. Pelo visto eu poderia estar diante de uma futura companheira de corridas no parque. Enquanto gastava meu tempo imaginando nossas mãos entrelaçadas, as pernas correndo em um ritmo cadenciado, com os pássaros cantando ao fundo e todo parque à frente, vi mais uma peça de roupa sair do cesto: um casaco com lantejoulas, bem anos 80. Se não me falha a memória devo ter visto coisa parecida em algum clipe da Madonna ou Cindy Lauper. Desviei o olhar por um instante, e imaginei uma cena bizarra dela dançando “Like a Virgin” em uma boate GLS. Ao repará-la novamente, vi que segurava uma última roupa nas mãos, e que roupa: uma calça vermelha, gritante, parecia um rio de sangue. Não me recordo de ter visto tanto vermelho assim desde a última vez que assisti “O Amanhecer dos Mortos”, do George Romero, na TV em uma madrugada de insônia qualquer. Enquanto eu me posicionava para começar a lavagem das minhas roupas ela foi para um canto ler o jornal. As roupas dela ficaram prontas antes das minhas, e novamente, sem tomar um impulso de coragem, a vi deixar a lavanderia com aquele ar sedutor que ela imprimia ao andar.



Uma semana se passou, e sinceramente eu nem tinha roupas sujas o suficiente para fazer valer uma viagem à lavanderia. Porém, se o cronograma das duas últimas semanas se mantivesse, eu a encontraria lá, e dessa vez tudo teria que ser diferente, estava na hora de tomar uma iniciativa. Ela era apenas uma mulher, linda, atraente, de certa forma intimidadora, mas apenas uma mulher. Era hoje o dia. Nunca caminhei tão rápido aquelas duas quadras, tamanha era a ansiedade que habitava meu coração e mente. Quando estava quase chegando lá a avistei de longe, eu estava atrasado, ela já estava saindo com seu cesto de roupas devidamente lavadas. Não seria uma simples mudança de planos que me faria desistir da ideia de finalmente conhecê-la. Dessa vez não passa, pensei, vou segui-la. Mantendo uma distância segura – eu me certificava a cada segundo que meus passos não entregassem minha intenção – a segui por centenas de metros. Na terceira quadra ela virou na esquina, e quando eu repeti a ação, vi algo que meus olhos custavam a acreditar: meu amor platônico, a dona daquelas belas pernas, de mãos dadas....com outra...sim...com outra. Era uma mulher mais alta, com um porte físico maior que o meu, vestindo uma calça laranja e um casaco de couro. Agora tudo fazia sentido, aqueles antagonismos, aquela sensação estranha de não entender como uma mulher se tornava tão diferente em meus pensamentos a cada minuto. As duas deram um leve beijo na boca e seguiram caminho. Mediante a situação, interrompi a minha perseguição e voltei para casa, ainda com um certo aperto no coração. Nessa hora, só conseguia me lembrar da Elza Soares cantando “Boato”: “Você foi a mentira que deixou saudade”. E que saudades!

5 comentários:

Fabiano Mascarenhas Vianna disse...

Ótimo conto cara! Não consegui parar de ler desde o primeiro parágrafo. A história me prendeu. Que bom que o Fleming voltou! O Fleming é um observador nato! Só consigo lembrar de um personagem voyeur assim no Palomar, do Italo Calvino. Caram quando puder dê uma lida no meu conto sobre futebol. Hehe. Sim, eu, o cara mais ignorante para este assunto escrevi um conto futebolístico. Haha
http://www.contosdapolpa.blogspot.com/
Abração man!
Espero que você continue nesta fase inspirada por mais tempo. Manda brasa aí!

Unknown disse...

Também curto lésbicas.
Em tempo: lésbicas fêmeas.

Anahy Metz disse...

Ih... hehehe garanto que se apaixonou novamente, não é?
O conto tem passagens hilárias rafael!

abs

anahy

Fernanda Rickmann disse...

Adorei! Voltou mandando bala!

Carol disse...

Sensacional! Um amigo me diz que uma crônica é boa, realmente bem escrita quando conseguimos ler a imaginar as cenas ao mesmo tempo, na nossa imaginação!
A Tati me colou o link do teu blog, bacana mesmo, seguirei acompanhando.
abraço,
Carol