domingo, dezembro 19, 2010

Por Uma Vida
















Uma decepção, por mais curta que seja, pode demorar uma eternidade para cicatrizar. Fazia alguns meses desde que um olhar de três segundos havia acabado com a minha sanidade. A Mariana, Marcelo e Cléber, meus melhores amigos, tentavam me reconectar com o mundo de várias maneiras, me arrastando para shows, peças de teatro, cinema e até palestras motivacionais. Mas nada parecia adiantar, eu era um zumbi brincando de ser sociável.

Mais uma sexta-feira à noite em minha vida. Aquele copo de whisky já estava presente em minha mão. Na vitrola rodava o “Deep In The Night” , o último grande disco da sensacional Etta James. Eu queria ficar sozinho, dentro da minha zona de conforto, onde a única pessoa que poderia me chatear era eu mesmo. Já haviam se passado 40 minutos desde que a agulha fez o primeiro chiado no LP. “Blind Girl” encaminhava-se para o seu encerramento quando foi interrompida pelo som ensurdecedor do meu interfone. Eram meus três insistentes amigos, dispostos a mais uma tentativa de me animar. Desci para abrir a porta e a Mariana já foi dizendo que iríamos para uma festa em uma boate da moda. O ingresso era caro, mas ela havia conseguido algumas cortesias com um amigo relações públicas. O preço da entrada não seria desculpa, o que dificultou minha tarefa de inventar algo e me obrigou a aceitar o convite.

Pegamos um táxi em frente ao meu apartamento e 10 minutos depois estávamos encarando uma fila que parecia interminável. Eu odeio filas, isso é algo que normalmente me faria trocar de lugar, mas havia prometido para a Mariana que enfrentaria aquela noite. Meia hora se passou e finalmente tínhamos conseguido entrar. O lugar estava lotado, encontrar um canto vazio era um verdadeiro exercício de paciência. Estava me sentindo um velho, não conhecia grande parte das músicas que tocava. Isso só piorava quando eu olhava para o lado e via todo mundo cantando e pulando aquelas canções que só podiam ser hits. Acho que estava vivendo muito tempo com meus vinis. Esse lugar não era feito para mim. Mulheres produzidas artificialmente, bêbadas, dançando uma música ensurdecedora que não deixava uma oportunidade para uma conversa que não fosse feita a base de gritos. Sempre fui tímido, nunca encontrei uma mulher que valesse a pena nesses lugares. Como começar algum tipo de papo nessa situação? O Marcelo tinha uma tese de que o importante era dizer qualquer bobagem para quebrar o gelo. Suas inúmeras tentativas começavam com um “é proibido fumar né?” ou então “o ministério da saúde adverte, fumar faz mal a saúde”. Era impressionante, mas esse tipo de coisa funcionava, para ele é claro. Jamais conseguiria fazer uma coisa dessas. A noite continuava, e eu já estava começando a ficar de saco cheio. A tal da Lady Gaga tocava a todo instante. Pessoas em êxtase, menos eu. Aquilo estava começando a me enlouquecer, gostaria de estar dentro de uma bolha, isolado de tudo. Aproveitei um minuto de distração dos meus amigos e fugi daquilo tudo, sem nem ao menos me despedir, evitando assim alguma possibilidade de convencimento da Mariana.

Alguns degraus depois e eu estava na frente da boate. Nesse momento o som da Lady Gaga era abafado pelas janelas, que pareciam que iriam quebrar a qualquer instante, dado o volume daquilo. Preparava-me para pegar um táxi de volta para a solidão quando reparei em uma linda morena escorada na parede. Ela parecia não pertencer aquele lugar, passava a impressão de estar tão deslocada quanto eu. A garota tentava ligar insistentemente para alguém, mas o celular dela estava sem sinal. Em um momento de coragem repentina, onde a timidez foi posta de lado, ofereci meu celular emprestado. Maria Luíza, esse era o nome dela. Ela havia se separado das amigas e não conseguia encontrar mais ninguém. O celular foi a desculpa para uma conversa que parecia não ter fim. Ficamos um tempão discutindo sobre o porquê das pessoas adorarem boates como aquela, e claro que não chegamos a nenhuma conclusão. Falamos sobre filmes, séries de TV (ela era uma grande fã de “House”, ganhou muitos pontos nessa), música e até culinária. Não víamos o tempo passar. O papo estava bom demais para ser feito ao lado de bêbados fanfarrões esperando para entrar na festa. Sugeri irmos para outro lugar.

A Maria Luiza tinha carro, e eu uma ideia. Conhecia uma rua que tinha uma vista incrível, dava para ver a cidade toda de lá. Demorava um pouco para chegar, mas pressa era o que menos tínhamos naquele momento. Entramos no carro e ela colocou um cd para tocar. Era Al Green! Poxa, um dos meus cantores preferidos. Demoramos 25 minutos dirigindo por várias ruas até chegar ao local que eu havia sugerido. A rua ficava no topo de um morro, perto de alguns condomínios de classe média alta. A vista era linda. Aquele silêncio contrastava com o frenesi da noite de sexta-feira. Ela estacionou o carro e ficamos lá conversando, agora com um clima providencial. A gente sabe que uma pessoa faz a diferença quando momentos de silêncio não são constrangedores, e era assim com a Maria Luíza. Nossos olhares já não conseguiam se separar, eram intensos. Em uma curta pausa de conversa, em um ímpeto incontrolável, beijei-a. O Al Green estava cantando “Tired Of Being Alone”, o que parecia adequado para aquele momento. Fazia tempo que me sentia um porto seguro sem nenhum navio para ancorar, até aquela noite. Aquele beijo me fez sentir que havia conhecido uma pessoa e um amor que não duraria segundos, minutos, horas, dias, semanas ou anos, mas sim uma vida inteira.

3 comentários:

Fabiano Mascarenhas Vianna disse...

Um conto romântico então! E com final feliz! Haha O que é raro por aqui! Gostei da referência com o conto anterior. Será que é o primeiro passo para construção de um romance?

Carolina Tessmann disse...

Aii que lindo! Muito romântico, lindo mesmo Pesce!
"Mulheres produzidas artificialmente, bêbadas, dançando uma música ensurdecedora que não deixava uma oportunidade para uma conversa que não fosse feita a base de gritos." MELHOR definição de uma festa do gênero. haha... Sensacional guri! Eu diria que esses é um dos contos que tu coloca mais da tua personalidade no sujeito do conto. Consegui te imaginar, surtando ao ouvir lady gaga... muito bom! O final então, um conto romântico original, senti ele ao mesmo tempo que racionalizei as palavras. Um dia desses tu encontra a tua morena escorada na parede ;) rsrs... beijao e um ótimo ano q se inicia! segue escrevendo!

Fernanda Rickmann disse...

Como sempre no capricho! Adorei o post. Fazia algum tempo que não passava por aqui.
Parabéns Rafael(=