quarta-feira, novembro 17, 2010

Três Segundos

Edifício Estrella, 189, apartamento 205. Esse era meu destino naquela manhã chuvosa de sábado. A Mariana, minha amiga de mais de 10 anos, morava em um pequeno e aconchegante apartamento. No corredor de entrada, paredes brancas com quadros de filmes antigos do Hitchcock: “Um Corpo Que Cai”, “Os Pássaros” e “Janela Indiscreta”. No centro da sala, que ficava em conjunto com a cozinha para poupar espaço, uma pequena mesa, sempre com um delicioso e quente café a minha espera. Aquele poderia ter sido mais um sábado normal, daqueles em que fico horas e horas conversando com a minha amiga e depois pego um ônibus de volta para casa. Mas não, aquele não era um dia ordinário, naquele sábado eu iria descobrir que três segundos são suficientes para se apaixonar por uma pessoa.

Passara a manhã inteira bebericando café, beliscando bolachas caseiras e discutindo assuntos de extrema importância com a Mariana. Quem foi o melhor Coringa no cinema, Jack Nicholson ou Heath Ledger? Qual a melhor trilogia de todos os tempos, “Star Wars” ou “Senhor dos Anéis”? O final de “Lost”, genial ou decepcionante? Tínhamos tempo de sobra para falar sobre todas aquelas trivialidades importantes para a gente. Após algumas horas de conversa a Mariana foi me acompanhar até a portaria. Pegamos o elevador, mesmo ela morando no segundo andar, e demoramos exatos 50 segundos até chegar ao térreo. A porta se abre e então eis que a vejo!

Sorriso discreto! Olhar penetrante! Brigitte Bardot morena! Canção de amor sem fim! Cheiro que hipnotiza! Muitas coisas passaram pela minha cabeça durante os três segundos que pude vê-la. O pouco tempo havia sido suficiente para criar a paixão platônica mais arrebatadora da minha vida. Voltei transtornado para casa. Sentia-me embriagado, mesmo sem ter bebido uma gota de álcool naquele dia. A cidade girava, meus pensamentos idem, tudo estava confuso, não conseguia pensar em mais nada, a não ser naqueles 180 segundos surreais. Cheguei em casa, joguei o casaco na cadeira mais próxima, coloquei um disco da Ella Fitzgerald na vitrola e abri minha garrafa de whisky na tentativa de me acalmar. Enquanto a Ella cantava “I Concentrate On You” fui colocando as ideias no lugar, o que não queria dizer que minha obsessão pela menina do elevador tivesse diminuído. Acabei dormindo o resto da tarde, só acordando à noite. Resolvi ligar para a Mariana e contar sobre os três segundos mais intensos da minha vida...

Fiquei quase uma hora no telefone, tentando de alguma maneira expressar em palavras aquilo que eu apenas conseguia sentir. A Mariana escutou tudo com calma e me contou algumas coisas que ela sabia sobre a menina misteriosa. O nome dela era Nina, tinha apenas 19 anos e morava no prédio há pouco tempo, coisa de dois anos. Parece que o pai dela trabalha em alguma multinacional e por isso a família se mudava bastante. Era pouco, queria saber mais sobre ela, mas pelo menos minha obsessão já tinha nome: Nina. Aquelas duas sílabas ecoavam sem parar na minha cabeça, Ni-na Ni-na, Ni-na, Ni-na, Ni-na, Ni-na, Ni-na, Ni-na, Ni-na, Ni-na, Ni-na...

Passei a visitar a Mariana com maior frequência. Adorava a ideia de correr o risco de esbarrar com a Nina a qualquer momento. Chegava ao Edifício Estrella de manhã, de tarde, de noite, até de madrugada para ver se a encontrava. Nada! Já se passavam duas semanas desde meu encontro no elevador. Minha impaciência e ansiedade chamavam a atenção dos meus amigos, principalmente da Mariana, que já começava a ficar preocupada até com a minha saúde. Eu poderia muito bem descobrir o apartamento da Nina, bater lá e dizer o quanto ela era importante para mim, mesmo sabendo que ela poderia nem lembrar da minha pessoa, provavelmente me acharia um louco e me expulsaria de lá sem titubear. Mas eu não tinha tamanha cara de pau, era muito tímido, contava com um encontro casual para quem sabe conseguir pronunciar algumas palavras que pudessem fazer aquela menina ter um mínimo interesse por mim.

Um mês se passou, eu estava 5 kg mais magro e não estava me alimentando direito. Minha barba estava toda torta, não tinha mais paciência para apará-la corretamente. As músicas alegres do meu acervo de discos deram lugar a um repertório triste. Ouvia sem parar um álbum do Frank Sinatra chamado “Where Are You”, uma obra temática em que todas as músicas tratavam de desilusões amorosas. Estava no fundo do poço, mas precisava arranjar forças para me reerguer. Resolvi fazer mais uma tentativa. Fui para a parada de ônibus e peguei a primeira condução com destino ao Edifício Estrella. Os 20 minutos de deslocamento foram provavelmente os mais longos da minha vida. Podia jurar que havia passado um dia inteiro sentado naquele ônibus, olhando para o além. Cheguei ao meu destino, desci rapidamente e parei! Lá estava ela!

Nina! Sim, ela mesmo, na frente do edifício, acompanhada de sua família! Quando ameacei dar os primeiros passos em direção ao outro lado da rua me dei conta que um caminhão chegava perto de onde eles estavam. Na carroceria eu apenas li BENITEZ MUDANÇAS. Não, não podia ser, será que ela iria se mudar de novo?! O caminhão já estava carregado, provavelmente deviam ter passado a manhã inteira em função disto. O veículo arranca, Nina e sua família entram em um carro e o seguem. Toda essa cena durou exatos 57 segundos. Um minuto, esse tinha sido o tempo do meu amor platônico. Nunca havia falado com a Nina, não cheguei nem perto disso, mas internamente havia vivido aquele amor de forma intensa. A devastação voltou a tomar conta de mim. De volta para casa uma garrafa de whisky e dezenas de discos de jazz estavam a minha espera. A noite seria longa...

3 comentários:

Fabiano Mascarenhas Vianna disse...

Uau! Que final cara! Acho que foi o mais apocalíptico final que você já escreveu. Tão apocalíptico quanto se pode ser no contexto da história. Genial, man! Adorei as referências pop que você colocou, discos, etc. Dá uma idéia muito precisa dos gostos do narrador e da atmosfera dos ambientes. Fiquei realmente imaginando o apartamento dele abarrotado de discos e garrafas de whisky. Hehe. Imagem de caos que compõe muito bem o cenário deste personagem obcecado pela Nina. Gostei também do final, surpreendente e melancólico. Vi que você testou algumas frases curtas, e achei que foi muito bem nessa.
Cara, espero que o hiato não seja tão longo até o próximo conto, porque me divirto muito vindo aqui. Quero acreditar que o fato de ter mudado o layout te animou a escrever mais contos aqui. Hehe. Abração!!

Carolina Tessmann disse...

Uau, digo eu! Me encantei pela Nina. Como assim? Brigitte Bardot morena. Tu já sabe né, BB é minha musa inspiradora. Ela morena, como de fato já foi um dia, é de uma beleza ainda mais profunda, porém discreta e charmosa. Como uma verdadeira paixão platônica parece ser. Eu adorei! De todos os teus contos, esse superou pela facilidade que se lê e compreende. Também pela identificação que temos com ele. Quantas Ninas não conhecemos ou gostaríamos. (Ou "Ninos" ). As vezes, até parece, que as pessoas encantadoras estão sempre se mudando, ou, em agum romance literário. Parabéns e um abraço!

Carolina Tessmann disse...

Me encanto com alguns dos teus contos e com o teu vocabulário rico e sóbrio ao mesmo tesmpo. Quando voltei a ler esse conto, especificamente, reparei ali em cima perto do cabeçalho do blog: "contos inspirados na realidade". Eu diria que não apenas na realidade da tua vida pessoal mas também na realidade empírica q nos é apresentada, no que tu te baseia. Nisso somos diferentes ao escrever. Como publico mt pouco comparado ao que escrevo, me questiono: Será que quem ler vai entender o que escrevo? É tão solto, abstrato, pessoal. E há tanto que evoluir... Bom, dos blogs que sigo o teu e outros poucos são os que realmente leio e me interesso. A propósito, estou sempre disposta a aceitar indicações de outros... rsrs
Fica o meu abraço e obrigada pelo banner, ficou lindo!