terça-feira, agosto 08, 2006

"Café Vermont"




Por Rafael Pesce

Eu estava sozinho e precisando de alguém. Isso era um fato cientifico. Fazia dois meses que a incompreensível da minha namorada havia me colocado para escanteio, me trocando por um tipo que certamente entraria no meu Top 5 figuras detestáveis. Desde então, passei a não achar mais graça nas mulheres, apenas nela. Eu assumo, seu rosto ainda perambulava pelos meus sonhos, e momentos nostalgia, como olhar fotos antigas de nossas viagens e festas, eram comuns em meu cotidiano. Não gostava mais de conversar com as pessoas, todas vinham com o mesmo tipo de consolo banal, do tipo “você vai esquecê-la”, “logo você vai conhecer alguém”, ou então algo mais retrô, do tipo “há outros peixes no oceano”. A única pessoa que tinha permissão para adentrar a porta que me separava do resto do mundo era minha vizinha e melhor amiga, a Clara.
Querendo me animar um pouco, ela me convidou para ir ao Café Vermont, um lugar freqüentado por pseudo beatnicks e manequins de brechó. Mas o café deles era insuperável, daqueles que você fica sentindo o gosto até a hora de dormir.
Chegamos ao Vermont e pegamos uma mesa escondida como de costume, e enquanto eu pedia gentilmente por dois expressos duplos, a Clara lia a última edição da Revista Freakium.

- O que você está lendo?
- A nova edição da Freakium.
- Isso eu sei. (risos). Mas que matéria?
- Uma entrevista rapidinha com o Odair José!
- Você é fã dos bregas é?
- Digamos que eles são os únicos homens que me entendem. (risos). E você, continua desiludido com as mulheres?
- É...digamos que não vejo mais atração nelas.
- Você virou gay?
- Longe de mim...apenas parece que nenhuma mulher vai chegar aos pés da Bianca, sabe...então não consigo ver sentido nas outras, se é que você me entende.
- Entendo. Eu gostaria de te ajudar sabe. Mas me diz uma coisa, qual o seu tipo de mulher?
- Ah...é....como aquela ali!!!!

Neste momento, meus olhos aguçaram-se como há muito tempo não faziam, e uma figura que parecia não pertencer a este mundo entrou no Vermont. Ela tinha o cabelo encaracolado, tingido de vinho; olhos verdes, mas que podiam ser azuis; a boca não era carnuda, mas descrevia muitas possibilidades; o rosto era meio redondo, com um queixo e um nariz levemente arrebitado; o perfume era suave, e seu andar descompromissado chamava apenas a atenção necessária.

- Aquele é meu tipo ideal de mulher!
- Ah, sim. Mas ela não é grandes coisas. Parece ser meio blasé.
- Vocês mulheres adoram fazer esse tipo de comentário, nunca acham as outras bonitas.
- Não é assim, não seja injusto comigo. Apenas não a achei merecedora do seu encanto. Tem peixes melhores no oceano.
- Até tu Clara. Se eu ouvir mais uma vez algum comentário deste tipo acho que vou surtar.
- Calma...saiu sem querer.
- Ok. Tu sabe que esses últimos meses tem sido complicados pra mim...até agora.
- Sei. Por que você não vai lá falar com ela, ou pelo menos pedir o telefone.
- Eu não quero te deixar aqui sozinha.
- Estou bem acompanhada, lendo minha revista.
- Mas como eu faço pra pegar o número dela? Meu celular foi roubado na semana passada, será que é muita pretensão minha pedir o número dela em um guardanapo?
- Bom, isso só quem pode te responder é ela.

Quando finalmente eu havia tomado coragem para levantar e ir em direção à mesa, uma mulher beirando os 30 anos, segurando um bebê, entrou no Vermont, e adivinha só? Ela era amiga da anja cujo nome eu ainda não sabia. Após um longo abraço, elas sentaram-se, parecendo entusiasmadas com o encontro. Não consegui fazer uma leitura labial para descobrir sobre o que falavam, mas notei que olhavam para a criança com um largo sorriso no rosto.

- Viu só?
- O quê?
- Ela gosta de crianças.
- Como você sabe?
- Ela não para de sorrir para o bebê.
- E daí?
- Como e daí. Quer dizer que sua teoria foi por água a baixo, mulheres blasé não gostam de crianças.
- Como você sabe?
- Eu apenas sei.

Depois de muito papo, elas começaram a mexer em suas bolsas, isso era sinal de que estavam se preparando para ir embora. Se eu não fosse lá agora, correria o risco de nunca mais vê-la, e consequentemente me corroer de remorso pelo resto da minha vida. Com as pernas tremendo de nervosismo, mas com um olhar confiante, parti em direção a mesa delas.

- Oie...me desculpem a intromissão, mas não pude deixar de notar a felicidade de vocês ao olharem o bebê. (Brilhante, será que não consegueria soar mais estúpido, mas agora já estava feito).
- É que eu e minha amiga nos conhecemos semana passada, e hoje ela me convidou pra conhecer o seu lindo bebê. Na próxima semana eu vou apresentar o meu pra ela.

Não era possível. Ela também tinha um bebê. Neste momento fiz uma cara de decepção típica do Chaves, foi como se em um minuto eu tivesse cruzado uma estrada para o paraíso, e chegando lá topasse com uma placa com os dizeres de lotação esgotada!

- Você também tem um bebê então?
- Sim. Você leu aquele livro do Nick Hornby, About a Boy?
- Não, mas eu vi o filme com o Hugh Grant.
- Bom, tirando que no final eles estragaram tudo, o filme não é tão ruim assim. Mas isso não vem ao caso. Você se lembra da SPAT (Single Parents – Alone Together)
- Sim, aquele grupo de auto ajuda apenas de mães e pais solteiros que tem no filme.
- Pois é. Nós fundamos um grupo parecido na semana passada, foi onde eu conheci a Nina. (mais tarde ela viria a me explicar que o grupo foi formado via orkut, quem diria!)

(O nome da amiga eu já sabia, agora só faltava descobrir como se chamava a minha deusa)

- Genial. Nina, a idéia foi sua ou da, da...desculpe, como é seu nome?
- Me chamo Maria Luiza. E você?
- Meu nome é Marvin.
- Marvin?? Que nome peculiar!
- É que minha mãe sempre foi uma grande fã do Marvin Gaye.
- Jura? Acho que “Let´s Get It On” sempre será minha música preferida de todos os tempos.

Vendo que sua presença era inútil no momento, Nina se despediu da amiga e de mim, nos deixando a sós. Neste momento, eu percebi que a minha amiga providencialmente já havia saído também, e agora eu podia me dedicar única e exclusivamente à Maria Luiza. Passamos o resto do dia descobrindo nossas afinidades, tomando litros de café e acabando com o bolo de chocolate do Café Vermont. No final, pedir o telefone dela em um guardanapo ficou até charmoso. Seria esse o começo de um novo amor?



5 comentários:

Anônimo disse...

bizarro, mas esse conto me traz lembranças.
(Y)
isso é um fato científico!

Anônimo disse...

Eu me vi em algumas frases desse conto, fatos da minha vida agradáveis, outros tristes e outros engraçados. Adorei as referências que usou. Gostei da atitude do garoto. E eles têm muita coisa em comum, com isso tem grandes chances para um romance começar.

Anônimo disse...

Veja que eu passo aqui tah sr Rafael :) leio todos os teus contos e fico orgulhosa de ter um irmão escritor...nota 10 ;D
Beijão maninho, to com saudades.

Anônimo disse...

miserável!

Anônimo disse...

ranghetti:
muito bom
sempre leio
sempre melhor man!